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Desenhos Industriais: Passado, Presente e Futuro

Os desenhos industriais representam uma importante ferramenta de diferenciação e destaque de objetos ao criar um apelo visual ao consumidor. Sua proteção, como atualmente vigente, foi conferida pela Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/1996 sob a forma de um registro a ser concedido mediante o atendimento de determinadas formalidades. Anteriormente, desenhos industriais eram divididos em duas modalidades de patentes - modelos industriais e desenhos industriais, sob a ótica do Código de Propriedade Industrial de 1971, onde eram analisados, além das formalidades do pedido, os requisitos de novidade e originalidade do objeto a ser protegido, cuja necessidade foi suprimida a partir da Lei nº 9.279/96.

Entretanto, nos vinte e seis anos seguintes à promulgação da Lei nº 9.279/96, as tecnologias evoluíram de uma forma jamais vista e, infelizmente, a proteção legal para as criações do intelecto humano no Brasil ainda enfrenta dificuldades para acompanhar o acelerado ritmo inovador. Enquanto até recentemente a proteção de desenhos industriais era substancialmente explorada para objetos físicos e padrões bidimensionais aplicáveis a objetos, a revolução tecnológica em curso suscitou uma necessária discussão sobre o que de fato se pode proteger como desenho industrial, especialmente considerando a transformação digital que permeia a estrutura social moderna, cunhada sociedade 5.0.

Novas Tecnologias como Motores de Inovação em Desenhos Industriais

Com a popularização dos smartphones, por exemplo, observou-se um aumento expressivo no número de pedidos de desenhos industriais buscando proteção para interfaces gráficas de usuário (graphical user interface ou simplesmente GUI), as quais incluem ícones, emojis, layouts de aplicativos, animações, entre outros, reforçando a necessidade de debater sobre a melhor forma de proteger tais criações. Como consequência, diversos escritórios de propriedade industrial no mundo trabalharam arduamente para adequar sua legislação e procedimentos internos de modo a melhor proteger esses objetos virtuais.

Como destaque, o Korean Intellectual Property Office (KIPO) inovou ao aceitar que requerentes que desejassem proteger interfaces gráficas dinâmicas pudessem apresentar arquivos animados digitais, ao invés de uma representação estática quadro a quadro da animação. Tal medida se provou de grande valia para o melhor entendimento dos examinadores em relação à proteção desejada, além de representar maior incentivo à proteção desta modalidade de desenho industrial.

No Brasil, a proteção de desenhos industriais determinada pela Lei nº 9.279/96 não se limita no sentido de exaurir os campos de aplicação, o que poderia a princípio ser positivo frente à imprevisibilidade de novos formatos eventualmente elegíveis à proteção por desenho industrial como consequência do desenvolvimento tecnológico. Por outro lado, o Manual de Desenhos industriais vigente apresenta entendimentos restritivos da Lei, ainda distantes do ritmo de inovação do mercado.

De fato, a velocidade com que as tecnologias evoluem nos permite afirmar que estamos vivendo apenas o início de uma era em que o instituto do desenho industrial desempenhará um papel crítico nas estratégias de propriedade intelectual das empresas. Em particular, o advento do metaverso, um mundo virtual que visa a emular o mundo real, tem o potencial de reconfigurar o entendimento e possibilidades de todo o sistema de proteção por desenho industrial no Brasil e no mundo. Ainda em seus estágios iniciais, o metaverso é uma tecnologia que suscita mais dúvidas do que certezas quanto ao seu futuro, com grandes empresas empreendendo em plataformas diversas não necessariamente compatíveis entre si. Consequentemente, a estrada que levará à proteção da propriedade intelectual ao metaverso está sendo pavimentada conforme as tecnologias relacionadas avançam.

Uma das questões levantadas quanto à proteção de desenhos industriais no contexto do metaverso é em relação à aferição de uma possível infração de desenho industrial. Em um mundo teoricamente sem fronteiras, é extremamente complexo determinar em qual território a infração aconteceria posto que a reprodução se daria virtualmente. Desta forma, há de se pensar em formas de harmonizar o entendimento sobre a determinação do local de uma possível infração. Tomando os servidores que hospedam o metaverso como referência, seria natural considerar o local de infração como o local da instalação do servidor utilizado. Entretanto, essa abordagem pode trazer sérios problemas caso os servidores estejam localizados em países com baixa proteção de propriedade intelectual.

Outra questão de suma importância é compreender a extensão da proteção dos registros de desenho industrial. Um objeto protegido por um desenho industrial estaria automaticamente protegido contra replicações no metaverso? Esse ponto agrega ainda um nível de complexidade na medida em que o metaverso por vezes pode apresentar uma versão cartunesca da realidade, ao invés de uma versão realista, tornando quase impossível que um objeto seja replicado de forma idêntica. Desta forma, os critérios de determinação de uma possível infração por imitação substancial terão que também ser repensados para melhor adequação a essa realidade virtual. Assim, faz-se mister pensar em formas de melhor proteger os desenhos industriais nesse novo mundo virtual em pleno desenvolvimento, especialmente versões de produtos customizadas para o metaverso.

Ato de Genebra do Acordo de Haia

O Brasil encontra-se em estágio avançado para aderir ao Ato de Genebra do Acordo de Haia, que permitirá o registro internacional de desenhos industriais, de modo a simplificar procedimentos e reduzir custos ao longo do processo. O Projeto de Decreto Legislativo nº 274/22, referente à adesão do Brasil ao Acordo, foi aprovado pela Câmara dos Deputados no final do mês de agosto e segue para apreciação do Senado. O sistema é administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que possui sistema análogo para marcas, conhecido como Protocolo de Madri. Com a adesão, empresas brasileiras poderão requerer proteção de seus desenhos industriais em qualquer dos países signatários do Acordo por meio de um único depósito e o mesmo poderá ser feito por estrangeiros com interesse no mercado brasileiro. Importante ressaltar que o Brasil mantém soberania sobre o exame de desenhos industriais que eventualmente ingressem via Acordo de Haia no país, de modo que os titulares estrangeiros deverão estar atentos para cumprir com todos os requisitos estabelecidos pelo INPI.

Modernização do INPI

Não obstante a necessária reinserção do sistema brasileiro de proteção de desenhos industriais no contexto global com a desburocratização dos serviços e redução de custos possibilitados com o Acordo de Haia, tais mecanismos podem não ser suficientes para reverter as reduzidas estatísticas para depósitos de desenhos industriais no INPI. De acordo com dados do instituto, o ano de 2020 contou com 6.263 depósitos de desenhos industriais, dos quais 4.258 de nacionais e 2.005 de internacionais, o que representou uma redução de 2,63% em relação ao ano anterior. Os números virtualmente inalterados demonstram inequivocamente um grau de desinteresse na proteção de desenhos industriais. Para 2022, o INPI projetou com o Plano de Ação um total de 7.400 depósitos de desenhos industriais.

Nesse sentido, o sistema de proteção de desenhos industriais no Brasil precisa urgentemente de modernização para ganhar competitividade no cenário internacional. Felizmente, além da importante negociação para integrar o Brasil aos tratados internacionais de maior relevância ao tema, o INPI tem realizado diversas ações para modernizar sua infraestrutura de tecnologia, consolidar normativos, treinar o corpo técnico e promover melhorias em geral dos serviços oferecidos pelo instituto. Uma das ações previstas pelo INPI para modernização de sua estrutura tecnológica é a implementação do sistema IPAS-DI, que irá tornar as atividades de exame técnico de desenhos industriais mais modernas e céleres.

Mais recentemente, o INPI abriu uma consulta pública para receber sugestões dos usuários acerca de uma nova proposta de edição do Manual de Desenhos Industriais. Na nova proposta, foram incluídas importantes atualizações como a permissão de linhas tracejadas em desenhos industriais (recorrente em pedidos depositados reivindicando prioridades estrangeiras), modernização do entendimento sobre objetos complexos, a permissão da utilização de vistas explodidas, em corte e ampliadas, e a definição de critérios para proteção de interfaces gráficas digitais, o que proporcionará um avanço significativo na proteção dos Desenhos Industriais no Brasil.

Dessa forma, o INPI, através da DIRMA, dá um importante passo no sentido da modernização do arcabouço de proteção de desenhos industriais no Brasil, promovendo uma maior harmonização de decisões pelos examinadores e maior segurança jurídica aos usuários do sistema. Como consequência, espera-se que o sistema de desenhos industriais seja fortalecido, com aumento de depósitos e registros concedidos, alcançando um posto estratégico para empresas que desejam proteger seus ativos de propriedade intelectual em território brasileiro.

Fonte:

Desenhos Industriais: Passado, Presente e Futuro Revista ABPI, Ed. 181 | Nov/Dez | 2022 - Especial 30 anos | Pág. 61:  Acesse aqui   |   PDF Download

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