O que antes era apenas parte do enredo de uma série ou filme agora ganha espaço no mundo real como produto, experiência e até negócio. Elementos criados para o entretenimento — como nomes de hotéis fictícios, personagens, uniformes, slogans ou cenários — vêm sendo cada vez mais explorados comercialmente por marcas que buscam conexão emocional com o público. Mas transformar ficção em realidade exige mais do que criatividade: é preciso cautela jurídica.
Um dos casos mais emblemáticos dessa tendência é o da série The White Lotus, da HBO, que inspirou pacotes de viagem, coleções de moda e produtos de lifestyle com o mesmo clima e estética do resort fictício apresentado na trama. A HBO, atenta ao potencial econômico de sua criação, já protocolou junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o pedido de registro da marca “The White Lotus” em diversas classes, incluindo roupas, cosméticos, bebidas e entretenimento.
O movimento é estratégico e visa a garantir exclusividade sobre o uso comercial desses elementos. Situação semelhante ocorre com o universo de Harry Potter, em que a Warner Bros. detém os direitos de termos como “Quidditch” — um esporte fictício que saiu dos livros e foi recriado por fãs na vida real, mas que continua sendo uma marca registrada.
Olhar técnico sobre propriedade intelectual
Esse tipo de exploração comercial exige um olhar técnico e multidisciplinar sobre propriedade intelectual. Mesmo criações imaginárias podem — e devem — ser protegidas juridicamente. A proteção pode se dar de diversas formas: nomes e títulos por meio de registro de marca; personagens, por direitos autorais e, eventualmente, também como marca figurativa; e elementos visuais, como arquitetura de cenários ou figurinos, por desenho industrial ou pelo conceito de trade dress, que resguarda a identidade visual de produtos e serviços.
O problema surge quando empresas, marcas ou até influenciadores decidem usar esses elementos sem a devida autorização, alegando “inspiração” ou fazendo adaptações que não descaracterizam a associação com a obra original. Isso pode configurar infração de marca registrada, violação de direitos autorais, concorrência desleal e diluição de marca. Em todos esses casos, os tribunais têm analisado com atenção o risco de confusão entre os consumidores e o possível prejuízo à exclusividade da titular dos direitos.
Acordos de licenciamento
É por isso que o ideal, para qualquer marca que deseje explorar esse tipo de narrativa, é firmar acordos de licenciamento formal com os estúdios e produtoras detentoras dos direitos. O avanço do streaming e das experiências imersivas tornou essa demanda ainda mais relevante.
Exposições sensoriais, ativações em festivais e parques temáticos inteiros baseados em filmes ou séries mostram como o entretenimento passou a ser também uma plataforma de negócios. E quando há cocriação entre marcas e estúdios — em vez de simples licenciamento — os contratos ganham complexidade: cláusulas de exclusividade, divisão de lucros, responsabilidade sobre comunicação e definição de propriedade dos ativos desenvolvidos passam a ser pontos centrais.
A linha entre ficção e realidade nunca foi tão tênue. E no centro dessa zona de contato está a propriedade intelectual, garantindo que boas ideias se tornem negócios viáveis, seguros e sustentáveis. Em tempos em que o storytelling virou ativo estratégico, respeitar os limites legais é o que diferencia ações criativas de disputas judiciais.